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Peter Reinhart: The art of baking bread

Tradutor: RAINER HARTMANN Revisor: Durval Castro

Este é um pão de trigo, trigo integral, feito com uma nova técnica, que andei experimentando, desenvolvendo e descrevendo; por falta de um nome melhor, vamos chamá-lo de método epóxi.

Eu o chamo de método epóxi porque -- não é muito apetitoso, sei disso -- mas -- mas se pensarmos sobre epóxi, o que é epóxi?

São duas resinas, que por si não são cola, mas quando são unidas, algo acontece. Acontece uma união, que produz esse poderoso e robusto adesivo.

Nessa técnica, tentei reunir todo o conhecimento que o mundo da panificação, da comunidade de panificação artesanal, vem tentando acumular nos últimos 20 anos, mais ou menos -- desde que surgiu nos EUA uma renascença do pão -- reunindo tudo para criar um método que ajudaria na aceitação de pães integrais.

Não há como negar, todos querem mudar para grãos integrais.

Há 40 anos que sabemos que pães integrais são mais saudáveis; estamos finalmente nos convencendo e tentando comer esses pães.

(risos)

O grande desafio para o padeiro integral é fazê-los saborosos.

Porque a farinha integral -- é fácil usar farinha branca para assar um pão saboroso. Farinha branca é doce.

Consiste principalmente de amido, que se resume a -- o que é amido? É -- muito obrigado -- açúcar, sim.

Um padeiro, um bom padeiro, sabe como puxar e arrancar o açúcar inerente preso ao amido.

Com pão integral, existem outros obstáculos.

Existe o farelo, que provavelmente é a parte mais saudável do pão, ou a fibra, porque o farelo é repleto de fibra, farelo é fibra.

Existe o germe de trigo. Embora sejam coisas boas, não são as partes mais saborosas do pão.

Portanto, historicamente, os pães integrais sempre carregaram o peso de ser comida saudável, que as pessoas não gostam de comer.

Entre aspas: comida saudável. As pessoas gostam de comer saudavelmente, mas quando algo é considerado comida saudável, achamos que é algo que temos de comer como obrigação, e não por paixão ou pelo amor ao sabor.

Em última análise, o desafio do padeiro, o desafio de cada estudante de culinária, cada chef, e entregar sabor.

Sabor está acima de tudo. É a regra do sabor. Sabor acima de tudo.

E -- e é possível convencer as pessoas a comer algo saudável pela primeira vez, mas se elas não gostarem, não vão comer novamente, certo?

Portanto, este é o desafio deste pão.

Vamos prová-lo no almoço e vou explicar um pouco mais sobre ele, mas é feito não apenas com dois tipos de pré-massa -- isso é uma tentativa de extrair sabor, e consiste em fazer um pouco de massa não fermentada no dia anterior. É apenas massa molhada. É massa hidratada que chamamos "soaker" que ajuda iniciar a atividade das enzimas.

E as enzimas são o ingrediente secreto, digamos, na massa que extrai o sabor.

Passa a liberar os açúcares presos no amido. É o que as enzimas estão fazendo.

E assim, se pudermos liberar algumas enzimas, elas chegam a nosso paladar.

Tornam-se acessíveis ao fermento como alimento.

Tornam-se acessíveis ao forno para caramelização, para produzir uma belíssima crosta.

A outra pré-massa que produzimos é fermentada -- nosso pré-fermento.

E é feita -- pode ser uma pré-massa azeda, ou aquilo que chamamos de "biga" ou outro tipo de massa pré-fermentada contendo um pouco de fermento, e que também começa a desenvolver sabor.

No segundo dia, juntamos as duas coisas. Isso é o epóxi.

Esperamos que a, digamos, parte da enzima da massa se torne o combustível da massa com fermento. e quando as juntamos e acrescentamos os ingredientes finais, podemos criar um pão que traz o pleno potencial de sabor preso no grão.

Este é o desafio. Bem, o que nós -- na jornada do trigo, vamos voltar um pouco e analisar esses 12 passos.

Vou citá-los rapidamente para depois repassá-los com mais calma.

Bem, vamos começar com o primeiro estágio.

E é aqui que todo estudante deve começar.

Todos que trabalham no mundo culinário sabem que o primeiro passo em cozinhar é o "mise en place", um termo francês que quer dizer "posto no lugar", ou "vamos nos organizar".

Tudo em seu lugar. Primeiro passo.

Em panificação, chamamos isso de pesagem -- pesagem dos ingredientes.

O segundo estágio é a mistura. Pegamos os ingredientes e os misturamos. É preciso desenvolver o glúten.

A farinha não contém gluten. Contém apenas o potencial para o glúten.

Aqui temos outra analogia do epóxi, porque temos glutenina e gliadina.

Nenhuma das duas tem força suficiente para fazer um bom pão.

Mas quando são hidratadas e combinadas, criam uma molécula mais forte, uma proteína mais forte chamada glúten.

Portanto, durante o processo de mistura, precisamos desenvolver o glúten.

Temos de ativar a levedura ou o fermento, e, essencialmente, distribuir igualmente todos os ingredientes.

Passamos assim à fermentação, o terceiro estágio, no qual o sabor realmente se desenvolve.

O fermento cria vida e passa a se alimentar dos açúcares, criando dióxido de carbono e álcool -- isso na prática é arrotar e suar. O pão é isso. É fermento arrotando e suando.

E, de alguma forma, isso é transformado -- os arrotos e suores do fermento são posteriormente transformados -- e estamos chegando ao fundo daquilo que torna pão tão especial. É comida em transformação.

E vamos falar disso daqui a pouco.

Mas agora, rapidamente, os próximos estágios.

Depois da massa fermentar e desenvolver-se, e ter começado a desenvolver sabor e personalidade, nós a dividimos em unidades menores.

Então, pegamos essas unidades menores e as moldamos. Uma pré-moldagem, normalmente meio arredondada ou meio comprida. É chamada "arredondamento".

Existe então um breve período de descanso. Pode ser alguns segundos, ou pode ser 20 ou 30 minutos. Chamamos isso de descanso

Depois, temos de dar a forma final ao pão,

"modelagem" -- colocar a massa moldada em uma forma.

Leva apenas um segundo, mas é um estágio individual.

Pode ser uma cesta. Pode ser uma forma de pão. Mas é chamada moldagem.

Agora, o nono estágio.

A fermentação que começou no terceiro estágio continua em todos esses outros estágios. Continua desenvolvendo mais sabor.

A fermentação final acontece no nono estágio.

Nós a chamamos de "maturação".

A maturação prova que o fermento está vivo.

No nono estágio damos a forma final à massa, para então colocá-la no forno -- décimo estágio.

No forno, acontecem três transformações.

Os açúcares na massa caramelizam-se na crosta. É isso que nos dá uma linda crosta dourada.

Apenas a crosta pode carameliza-se. É o único local quente suficiente.

Dentro da massa, as proteínas -- este glúten -- coagula.

Quando chega a cerca de 160 graus, as proteínas ficam enfileiradas e criam uma estrutura, a estrutura do glúten -- aquilo que chamaremos a migalha do pão.

Quando os amidos chegam a cerca de 180 graus, eles se gelatinizam.

E a gelatinização é mais uma transformação no forno.

Coagulação, caramelização e gelatinização -- quando o amido é grosso e absorve toda a umidade ao seu redor, os amidos incham e depois explodem.

Quando explodem, jogam suas entranhas no pão.

Assim, o que estamos comendo é o suor do fermento, suor, arrotos e entranhas de fermentos.

Transformados no décimo estágio do forno, porque aquilo que entrou no forno como massa, sai do forno no décimo-primeiro estágio como pão.

Neste estágio, que chamamos de resfriamento -- porque nunca comemos o pão logo em seguida,

Ainda resta um pouco do assar.

As proteínas devem estruturar-se, fortalecer-se e firmar-se.

No décimo-segundo estágio, temos aquilo que os livros chamam de "embalagem", embora meus alunos chamem "degustação".

Assim, hoje faremos nossa própria jornada, do trigo à degustação, em alguns minutos vamos testar isso, para ver se tivemos sucesso na missão do padeiro de extrair sabor.

Mas gostaria de voltar e rever esses passos, e falar do ponto de vista da transformação porque penso que todas as coisas podem ser entendidas -- e isso não é minha idéia. Vem da escolástica e dos antigos -- todas as coisas podem ser entendidas em quatro níveis: o literal, o nível metafórico ou poético, o nível político ou ético.

E, finalmente, o místico ou também chamado de nível "anagógico". É difícil de chegar a tais níveis sem passar pelo literal.

Na verdade, Dante afirma que não é possível entender os três níveis mais profundos sem entender primeiramente o nível literal. É por isso que estamos falando literalmente sobre pão.

Mas vamos rever esses estágios, do ponto de vista de conexões para um nível possivelmente mais profundo -- minha busca toda é para responder à pergunta:

"Por que pão é tão especial?"

E atender essa missão de evocar o pleno potencial do sabor.

Porque o que acontece é que o pão começa como trigo, ou qualquer outro grão.

O que é trigo? Trigo é um capim que cresce no campo.

Como todos os capins, à certa altura, produz sementes.

Colhemos essas sementes; que são os grãos do trigo.

Para colhê-los -- mas o que é colher? É um eufemismo para matar, não?

Colhemos, abatemos - dizemos que abatemos um porco, não?

Colhemos e abatemos vida.

Colhemos o trigo, e ao colhê-lo nós o matamos.

O trigo é vivo.

Quando o colhemos, ele fornece sementes.

Pelo menos com sementes, temos o potencial para vida futura.

Plantamos as sementes no solo.

E guardamos algumas para uma próxima geração.

Mas a maior parte das sementes é moída, e transformada em farinha. É nesse ponto que o trigo sofre a maior das indignidades.

Não apenas foi morto, mas lhe foi negado qualquer potencial de criar vida futura.

O trigo virou farinha.

Como disse, considero o pão um alimento transformacional.

A primeira transformação -- aliás, a definição de transformação para mim é uma mudança radical de uma coisa em outra coisa.

Certo? Radical, não sutil.

Não é como água quente resfriada, ou água fria aquecida, mas água fervida e transformada em vapor.

Isso é transformação, duas coisas diferentes.

Bem, neste caso, a primeira transformação é do vivo para o morto.

Para mim, isso é radical.

Agora temos essa farinha.

E o que fazemos? Acrescentamos água.

No primeiro estágio, nós a pesamos.

No segundo estágio, acrescentamos água e sal e misturamos tudo, criando algo que chamamos de "argila". É como argila.

E incorporamos à essa argila um ingrediente que chamamos de "levedura".

Em nosso caso, é fermento, mas fermento é levedura. O que quer dizer levedura?

Levedura, ou "leaven" em inglês, vem do radical que significa dar vida -- vivificar, trazer à vida.

Aliás, como se fala argila em hebreu? Adão.

Nesse momento, o padeiro, de certa forma, tornou-se um deus dessa massa, que embora não seja inteligente, está viva.

E sabemos que está viva, porque no terceiro estágio, ela cresce. Crescimento é a prova da vida.

Enquanto está crescendo, estão ocorrendo todas essas transformações literais.

Enzimas produzem açúcares.

Fermento come açúcar e o transforma em dióxido de carbono e álcool.

A batéria está lá, comendo os mesmos açúcares, transformando-os em ácidos.

Em outras palavras, essa massa está desenvolvendo personalidade e caráter, sob o olhar atento do padeiro.

E as escolhas do padeiro em todo o processo determinam o resultado do produto.

Uma sutil mudança de temperatura -- uma sutil mudança no tempo -- é um malabarismo entre tempo, temperatura e ingredientes. Isso é a arte da panificação.

Tudo isso é determinado pelo padeiro, e o pão passa por alguns estágios e suas personalidades se desenvolvem.

Então nós a dividimos. Esse grande pedaço de massa é dividido em unidades menores. E cada uma dessas unidades é moldada pelo padeiro.

Depois de serem moldadas, crescem novamente, sempre provando que estão vivas, e desenvolvendo personalidade.

No décimo estágio, nós a levamos ao forno.

Ainda é massa. Ninguém come massa de pão -- talvez algumas pessoas, mas não muitas.

Já conheci alguns comedores de massa, mas não é o esteio da vida, certo? Pão é o esteio da vida.

Mas estamos trabalhando com a massa, e levamos essa massa ao forno, e vai para dentro do forno. Assim que a temperatura interior dessa massa alcançar 140 graus, passa aquilo que chamamos de "ponto da morte térmica".

Estudantes adoram essa expressão. Parece que saiu de um videogame.

Mas é o ponto da morte térmica - a vida para nesse ponto.

O fermento, cuja missão foi fazer a massa crescer até agora, dar-lhe vida, vivificá-la, para concluir sua missão, que é transformar essa massa em pão, tem de abrir mão de sua vida.

Vocês vêem o simbolismo? Começa a fazer sentido.

Para mim passa a fazer sentido -- o que entra na massa, o que sai no pão -- entra vivo, sai morto.

Terceira transformação. A primeira transformação, de vivo para morto.

A segunda transformação, a morte trazida de volta à vida.

A terceira transformação, de vivo para morto -- mas de massa para pão.

Outra analogia seria uma lagarta transformada em borboleta.

O que sai do forno é o que chamamos de o esteio da vida.

Este é o produto que todos no mundo comem, do qual é difícil abrir mão. É tão profundamente parte dos nossos psiques que pão é usado como símbolo da vida. É usado como símbolo de transformação.

Assim, ao chegarmos ao décimo-segundo passo, partilhamos disso, mais uma vez completando o ciclo de vida.

Temos a oportunidade de ingerir isso -- nos nutre, e nós continuamos e temos oportunidade de ponderar coisas como estas. É isso que aprendi com o pão. É isso que pão me ensinou em minha jornada.

E tentaremos com este pão, aqui, utilizar este pão -- além de tudo do que falamos -- que chamaremos "pão do resíduo de grão" porque, como sabem, panificação é parecida com produção de cerveja.

Na verdade, a cerveja é pão líquido, ou pão é cerveja sólida.

E --

[risos]

-- ambos foram inventados na mesma época. Penso que a cerveja veio primeiro.

O egípcio que estava cuidando da cerveja caiu no sono, e o sol escaldante do Egito a transformou em pão.

Tenho aqui este pão, e tentei, mais uma vez, evocar ainda mais sabor deste grão, e acrescentei ao pão residuos de grãos da industria cervejeira.

Se fizerem este pão, podem usar qualquer tipo de resíduos de grão, de qualquer cerveja.

Gosto de resíduos de grãos escuros. Hoje estamos usando os claros, originários de algum tipo de cerveja lager -- uma lager leve ou uma ale -- é trigo e cevada torrada.

Em outras palavras, o cervejeiro sabe evocar o sabor de grãos, fazendo brotar, produzindo malte e torrando.

Vamos pegar um pouco disso e colocá-lo no pão.

Com isso, teremos não apenas um pão com alto teor de fibras, mas fibras e mais fibras.

E assim, espero, teremos um pão saudável, e um pão gostoso.

Assim, se eu quebrar este pão, talvez poderemos partilhar este pedaço.

Vamos começar com um pedacinho aqui, e um pedacinho ali --

Melhor eu prová-lo antes de comê-lo para o almoço.

Eu me vou e vou deixar com vocês a benção do padeiro.

Que a sua crosta seja crocante, e que o seu pão sempre cresça.

Obrigado.