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A CIÊNCIA DO LUTO

No momento em que esse vídeo foi gravado, já foram registradas mais de 60 mil mortes ligadas à Covid-19 no Brasil e mais de meio milhão no mundo.

Como essas estimativas são subestimadas, o cenário atual é ainda pior.

Eu sou o André, tenho um doutorado em psicologia e hoje quero falar sobre uma experiência que várias pessoas estão enfrentando: a dor de perder um ente querido de forma inesperada.

O luto engloba diferentes reações intensas que são vividas diante da morte de uma pessoa querida.

Algumas das reações mais comuns são a tristeza, a confusão e um forte desejo de estar com essa pessoa como antes.

Com o passar do tempo, a tendência é que essas reações vão diminuindo de intensidade e frequência, embora a lembrança da pessoa querida ainda seja capaz de estimular algumas delas mesmo muitos anos depois do acontecimento.

Você já deve ter ouvido falar dos famosos "cinco estágios do luto".

Várias pessoas já pediram para abordarmos esse assunto aqui no canal e chegou esse momento, mas provavelmente não do jeito que essas pessoas esperavam.

A ideia de que existem cinco estágios do luto pelos quais todo mundo passa não tem embasamento científico.

Embora essa ideia seja extremamente difundida, ela não foi proposta com base em pesquisas conduzidas de forma apropriada.

O primeiro problema com essa ideia é a sua origem distorcida.

Em 1969, Elisabeth Kübler-Ross publicou o seu livro "On Death and Dying" no qual ela descreveu o seu modelo de estágios.

Acontece que esse modelo era uma tentativa de descrever como as pessoas reagiam ao fato de que possuiam doenças extremamente graves e não como reagiam à morte de alguém querido.

Mesmo assim, a ideia de que esse modelo era uma boa descrição do luto foi sugerida pela própria Elisabeth nesse livro e isso se popularizou depois.

De lá para cá, alguns cientistas resolveram testar se é realmente assim que as pessoas costumam reagir à perda de alguém.

Adivinha só o que eles descobriram?

Basicamente que as pessoas vivem o luto de várias formas diferentes e que não existe necessariamente uma sequência específica de estágios do luto.

Alguns podem até viver coisas parecidas com o que o modelo dos estágios prevê, mas muitos outros não vivem.

Em um estudo, praticamente 90% das pessoas que tinham perdido o seu esposo ou esposa não seguiram a trajetória "normal" prevista pelo modelo.

Eu disse 90%.

E isso nos leva a mais um problema com esse modelo: estereótipos de como as pessoas deveriam viver o luto podem estigmatizar quem não se adequa a eles.

Algumas pessoas podem ser reprimidas por estarem sofrendo de forma prolongada.

Já outras podem ter seus sentimentos por quem faleceu questionados caso não chorem, se desesperem ou apresentem as reações psicológicas esperadas naquele contexto cultural.

Como o modelo dos estágios é muito popular e sugere qual é a forma "normal" de se adaptar à morte de alguém, o que uma pessoa deveria concluir caso ela leia sobre esse modelo e não esteja seguindo a trajetória esperada?

Talvez que existe algo de muito errado com ela, que ela é fraca ou que a sua dor nunca irá passar já que está demorando tanto para isso acontecer.

Considerando os dados que acabei de citar, a maior parte das pessoas apresentadas a esse modelo podem não se adequar muito bem a ele.

Outra evidência de como o luto é um fenômeno muito mais complexo e variável vem do que sabemos sobre diferenças entre culturas.

Na costa pacífica da Colômbia, várias pessoas se envolvem na celebração conhecida como

Chigualo quando uma criança da comunidade morre.

Nessa cultura, acredita-se que a criança que morreu se transformará em um anjo que será conduzido ao paraíso, portanto haveria um motivo mais do que justificável para celebrar o acontecimento.

Em algumas regiões do Caribe, tal como na Jamaica, por exemplo, é comum de se observar um ritual conhecido como as "nove noites".

Pessoas próximas do falecido se encontram na sua casa para cantar, comer e festejar ao longo de nove noites.

Já em culturas como a brasileira e muitas outras, é mais comum que os rituais ligados à morte sejam marcados por cerimonias formais e melancólicas.

Então o modo como você enxerga a morte está intimamente ligado à cultura na qual você viveu e às experiências que teve ao longo da vida.

O que você está achando do vídeo até agora?

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Ao que tudo indica, reações como as presentes no luto não são exclusivamente humanas.

Existem hoje vários registros de reações à morte em outras espécies que chamam a atenção, embora obviamente não sejam idênticas às nossas.

Um dos comportamentos mais observados em diferentes espécies de macacos é o de mães que continuam carregando o seu filhote até mesmo por vários dias depois que ele morreu.

O vídeo que você está vendo é um trecho dos registros feitos por um grupo de cientistas no qual se pode observar a reação de chimpanzés à morte de um deles.

Muitos se aproximam do corpo e fazem inspeções cuidadosas.

Algumas das reações mais intensas podem ser observadas entre os membros do grupo que tinham laços sociais mais fortes com o chimpanzé que faleceu.

Esses registros fazem parte de um artigo publicado em 2016 no qual essas reações foram analisadas mais detalhadamente.

A morte de uma pessoa próxima é um forte fator de risco contra a saúde mental de alguém.

Ela pode deflagar o surgimento da depressão, de transtornos de ansiedade, de transtornos ligados ao uso de substâncias, de ideação suicida ou de episódios psicóticos. É comum o relato de alucinações entre aqueles que eram muito próximos de quem faleceu e isso não caracteriza um transtorno mental por si só.

A pessoa em luto pode ouvir a voz do falecido, vê-la ou sentir a sua presença, por exemplo.

Algumas pessoas podem desenvolver sintomas típicos do transtorno do estresse pós-traumático, tais como pensamentos intrusivos e recorrentes sobre a pessoa que faleceu, despertando um intenso desejo de que ela ainda estivesse viva.

Sintomas como esses combinados com os da depressão podem tornar a experiência de luto muito mais complicada e desgastante.

Aqui vão agora algumas dicas do que alguém poderia fazer para facilitar o processo de recuperação do luto e amenizar a sua dor.

Dica número 1: se você tem sofrido pela morte de alguém por muito tempo e isso tem dificultado o seu dia a dia, uma das melhores coisas que você pode fazer é procurar um psicólogo competente para lhe ajudar.

Muitas pessoas conseguem se adaptar a uma perda de forma espontânea com o passar do tempo, mas outras enfrentam maiores dificuldades durante esse processo.

Embora você possa melhorar sem a ajuda de um profissional, contar com essa ajuda poderá te induzir a uma melhora mais rápida, segura e duradoura.

Conforme envelhecemos, a morte de pessoas próximas vai se tornando um acontecimento cada vez mais comum.

Olhando por esse lado, investir na psicoterapia pode ser uma forma de maximizar a sua resiliência e qualidade de vida a longo prazo, já que permitirá o desenvolvimento de competências de enfrentamento que serão úteis pelo resto da vida.

Dica número 2: treine a sua capacidade de aceitar a dor como uma parte natural do processo de recuperação.

Como já explicamos em outros vídeos, aceitar sentimentos negativos costuma ser um desafio, pois tendemos a querer nos livrar deles.

Isso tanto porque esses sentimentos são desagradáveis quanto porque, no luto, é comum que a pessoa vivencie várias emoções negativas de forma frequente, intensa e prolongada.

Querer sair dessa situação é compreensível.

Essa dificuldade de lidar com emoções negativas pode ser agravada pelo fato de que, para muitas pessoas, a morte de alguém próximo pode representar uma das experiências mais traumáticas que a pessoa viverá ao longo da vida.

Nunca estaremos totalmente preparados para lidar de forma repentina com acontecimentos desse tipo.

Aceitar e vivenciar as emoções intensas envolvidas no luto pode facilitar o processo de recuperação em comparação com rejeitar ou reprimir tais emoções.

Dica número 3: evite se isolar do mundo. É comum que pessoas em luto se afastem dos outros, se tornem menos comunicativas ou guardem apenas para si o seu sofrimento, aparentando para os outros uma melhora que não é real. hJá explicamos em outro vídeo que o isolamento social pode ser extremamente prejudicial para a saúde física e mental de alguém. É claro que se tornar temporariamente mais reservado é uma reação válida e que pode ajudar a pessoa a refletir e a ressignifcar o que ocorreu.

Os problemas podem começar a surgir quando esse isolamento vai se prolongando e as relações vão se enfraquecendo.

Em um momento como esse, por mais difícil que possa ser, buscar o apoio de pessoas que você gosta pode fazer toda a diferença.

Falar com amigos e familiares sobre a morte pode te ajudar a entender melhor o que aconteceu, rever interpretações e acelerar o seu processo de adaptação às novas circunstâncias.

Não existe uma única forma normal, correta ou errada de reagir à morte de alguém querido.

Também não existe uma quantidade de tempo para o luto que seja universalmente esperada.

Para algumas pessoas, alguns meses serão necessários; para outras, pode ser necessário mais tempo.

Cada pessoa pode reagir de uma maneira diferente a depender da sua personalidade, da cultura na qual vive, das suas experiências e das circunstâncias de vida nas quais se encontra.

As pesquisas na psicologia demonstram que muitas pessoas conseguem se recuperar naturalmente de uma perda caso possam contar com o apoio de outras pessoas e manter hábitos saudáveis de vida, tais como realizar atividades físicas e tendo uma boa qualidade de sono.

A dor de perder alguém amado exige tempo para ser aliviada e tomar esses cuidados pode tornar essa jornada um pouco menos tortuosa.

Hoje te explicamos o que é o luto, questionamos a existência de etapas sequenciais e universais do luto, contamos alguns exemplos de como essa experiência varia entre culturas e espécies.

Também falamos sobre algumas consequências psicológicas do luto e um pouco sobre o que pode ser feito para facilitar o processo de recuperação.

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